quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Ode ao silêncio (ou quando alguém escreve o que você pensa)

Se ao menos por um instante eu pudesse reescrever o famoso poema “Funeral Blues”, escrito  pelo inglês W. H. Auden – magnificamente lido no filme “Quatro casamentos e um funeral”, eu  talvez o fizesse assim: “Que parem todas as prensas, computadores, repetidoras de TVs, smartphones e toda a  tecnologia. Que sejam tiradas do ar todas as redes sociais. Que emudeça não o piano, mas as  vozes dos apresentadores de todos os canais do mundo, que possamos ouvir apenas o som  dos tambores que virão de algum lugar do Oceano.
Que os aviões, gemendo acima em  alvoroço, escrevam contra o céu o anúncio: estamos em silêncio – e em paz. Que as pombas se  aquietem, pois não precisam mais se inquietar diante do excesso. Que todos possam se  locomover para onde quiserem: norte, sul, leste, oeste, e sejam recebidos com alegria pelos seus iguais. Vamos deixar quietas as estrelas, a lua, fazer as pazes com o sol, deixar viver os mares, as florestas”. 
Digo isto porque ando cansada de tantas notícias ruins, alarmantes, extremamente dolorosas e  tristes. Não quero mais saber de escândalos, nem propinas, negociatas, assaltos aos cofres  públicos e aos bolsos da população. Não quero ouvir falar sobre a reforma da Previdência, nem a volta da CPMF ou rebaixamento do País no mercado internacional. Não quero saber de  estupros, de famílias perdidas e sem esperança, de crianças usadas para o crime e propaganda,  de jovens sem futuro e sem educação. Cansei de olhar fotos e cenas de uma guerra urbana  sem sentido.
Ando enfastiada de ouvir falar sobre o mosquito, enquanto esgotos correm a céu aberto e a  população continua espalhando lixo por absoluta falta de noção. Continuo enojada com o  toma lá dá cá no Congresso, enojada com a cara de pau de políticos que gastam os nossos  impostos em uísque, carros blindados, tríplex na praia e viagens de primeira classe. Não quero saber de amantes, secretárias ou jornalistas sem escrúpulos, da deselegância e falta de decoro dos envolvidos. Ando sem paciência alguma para as opiniões de especialistas e o constante  julgamento de incautos – e ignorantes.
Que sejam todos enviados novamente para as escolas. De preferência em tempo integral. Que  lhe sejam oferecidas aulas de ética em profusão. Que a maioria das aulas seja de literatura e a  outra de matemática – para ensinar o raciocínio. Que a saúde – e não a doença – seja direito  de todos e a segurança um gênero de primeira necessidade. Que o silêncio seja incentivado,  diariamente, em todos os lugares, por cinco minutos. Que sejam desligados todos os barulhos  e com eles as nossas indignações.
Porque o mundo está repetitivo demais - e muito chato. E estamos nos acostumando a tudo. Mas não devíamos. Já disse a escritora - e sábia Marina Colasanti - no livro: “Eu Sei, Mas Não  Devia”, que a gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. “Em doses pequenas,  tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá... 
A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto  acostumar, se perde de si mesma”. Tem razão, Marina. A gente não deveria se acostumar com  uma vida tão banal.

Theresa Hilcar
Jornal Correio do Estado


4 comentários:

Unknown disse...

NEM SEI QTO TEMPO FAZ QUE SIGO SEU KINDER, UM BLOG ESPETACULAR...SENTI POR UMA LONGA SUMIDA DAS PUBLICAÇÕES E FESTEJEI QDO VOLTOU À ATIVA, SEMPRE EM SILÊNCIO...MAS SEU FEELING PARA PUBLICAR ESSE ARTIGO SENSACIONAL FOI IRRESISTÍVEL, NÃO HÁ COMO SILENCIAR PERANTE SEU "SILÊNCIO AO APLAUDIR"...
PARABÉNS, ESTEJA SEMPRE COM DEUS...
POSTO NO MEU FACE COM CRÉDITO AO KINDER E À AUTORA E IMPRIMI CÓPIAS PARA DUAS SALAS DE ALUNOS - 8º E 9º ANOS...DE PRESENTE AOS SEUS FAMILIARES...

Pandora disse...

Me arrepiei e me identifiquei! Também estou cansada, também quero me desacostumar com essa vida... e queria acima de muitas coisas um pouco de silêncio, queria ouvir o silêncio.

simplesmentefascinante disse...

Bom dia, Beatriz,
Eu não conseguiria falar tão claramente do que sinto, como ela colocou as palavras no texto.
sim... é tudo isso engasgado na garganta.
Alguma coisa há de acontecer para aliviar essa nossa perplexidade.
Aplausos para Theresa.
Grande abraço.
mari

Tina Bau Couto disse...

Amo o texto Eu sei mas não devia
Não sei se devia, mas vou levar e publicar o texto do filme
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Relações, alimentação e intenções artificiais
Tb de saco cheio